20060711

Sobre a Árvore que Floresce no Inverno!

Os sinais eram inequívocos.Aquelas nuvens baixas e escuras... O vento soprava desde a véspera, arrancando das árvores folhas amarelas e vermelhas. Não queriam partir... O inverno... Ele estava chegando e chegaria, inexoravelmente. Era provável que nevasse, naquele mesmo dia. Viria então a tristeza, as árvores peladas, a vida fugindo para lugares mais quentes, os pássaros já ausentes, fugidos para outro clima e aquele longo sono da natureza, bonito de se ver e de se brincar quando cai a primeira nevada, mas que a passagem do tempo toma triste e monótono.
Resolvi passear, para dizer adeus às plantas que se preparavam para dormir e assim fui andando, encontrando‑as silenciosas e conformadas ante o inevitável, e algumas até me deram a impressão de estarem rezando. As rezas são boas para espantar o medo. Mas há certas rezas que são inúteis. Deus não abole o inverno, por mais fervorosa que seja a novena.
E foi então que me espantei ao ver um arbusto estranho. Se fosse um ser humano, certamente que o internariam num hospício, pois lhe faltava o senso da realidade, não sabia reconhecer os sinais do tempo. Lá estava ele, ignorando tudo, cheio de botões, alguns deles já abrindo, como se a primavera estivesse chegando. Não resisti e me aproveitando de que não houvesse ninguém por perto, comecei a conversar com ele e lhe perguntei se não percebia que o inverno estava chegando, que seus botões seriam queimados pela neve naquela tarde. Argumentei sobre a inutilidade daquilo tudo, um gesto tão fraco que não faria diferença alguma. Dentro em breve tudo estaria morto... E ele me falou, naquela linguagem que só as plantas entendem e eu entendi pois em mim mora um "bosque antiquíssimo, adormecido", coisa que Rilke me contou.
Disse‑me que o inverno de fora não lhe importava, porque o seu tempo era diferente, regido pelo ritmo das estações que moram dentro. Se era inverno do lado de fora, era primavera lá dentro dele, e seus botões eram um testemunho da teimosia da vida que se compraz em fazer o gesto do amor inútil.
As razões para isso? Puro prazer Ah! Há tantas canções inúteis, fracas para entortar o cano das armas, para engravidar as virgens, para ressuscitar os mortos. Pelos campos afora as pragas se alastram sufocando as espécies delicadas. A morte vai às brutas. Mas não tem importância: as canções continuarão a ser cantadas, pela primavera eterna que nelas mora. E há gestos de amor, os nomes que se escrevem nos troncos de árvores os olhares que se trocam sem palavras, árvores que são plantadas, mesmo sabendo que somente netos poderão se assentar à sua sombra, quartos arrumados para filhos já mortos, lugares vazios à espera do retomo, canções que se escrevem para ouvidos que não mais podem ouvir ‑ porque alguma coisa vai crescendo, por dentro, como se fosse um filho, melodia que se apossa do corpo e o obriga a dançar...
Agradeci àquele arbusto silencioso o seu gesto poético. Não é que ele não soubesse... Ele sabia que o vôo dos pássaros estava cheio de medo. Ele sabia que a beleza das folhas amarelas e vermelhas das árvores era Uma canção de despedida.
Realistas: OOooooO inverno se aproximava.
Mas aquele arbusto vivia num outro mundo, num outro tempo. Era um poeta, criança sonhadora, uma pitada de loucura em cada botão. Senti-me seu irmão. E silenciosamente rezei : "Que eu também possa florescer no inverno". E me lembrei de uma frase de Camus, que está num pôster que alguém me levou: "No meio do inverno eu finalmente aprendi que havia dentro de mim um verão invencível.
PS- Este texto foi uma gentileza que recebi da Irmã Eugênia (Franciscana). Não sabemos de quem é o texto mais já rolou pela Internet há algum tempo (uns seis anos, acho, que foi qdo o recebi).

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Alvaro querido,
que beleza de texto,chegou em boa hora!
Feliz seja seu retorno e que todos nós possamos "florescer no inverno".
Lindo findi,
beijosssssssssss

1:46 PM  
Anonymous Anonymous said...

Lindo texto, Álvaro. Mesmo. Metáforas sublimes.

[Lógico, meu lado maldoso estava se perguntando se neva em Rio Claro ou se vc. estava com uma nova versão da Sarsa ardente - aquela que Moisés encontrou no monte Sinai].

Não recebi resposta ao meu e-mail, caro amigo.

Abraços.

11:14 AM  
Anonymous Anonymous said...

Q lindo texto!
Um beijo

5:28 PM  

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