20061120

Dia da consciência negra

Hoje me convém relembrar o épico poema “Navio Negreiro”, do magistral poeta Castro Alves:

“É num sonho dantesco, tombadilho/ Tinir de ferros, estalar do açoite/ Legiões de homens negros como a noite/ Horrendos a dançar/ Negras mulheres/ Levantando as tetas/ Magras crianças/ Cujas bocas pretas/ Regam o sangue das mães/ Outras moças/ Mas nuas, assustadas/ No turbilhão de espectros arrastadas/ Em ânsia e mágoa vãs/ Um ar de raiva delira/ Outro enlouquece/ Outro que de martírios embrutece/ Chora e dança ali/ Senhor Deus dos desgraçados/ Dizei-me vós/ Senhor Deus/ Se é loucura, se é verdade tanto horror/ Perante os céus/ Quem são esses desgraçados/ Que não encontram em vós/ Mais que o rir calmo da turba/ Dizei-o tu severa musa/ Musa libérrima audaz/ São os filhos do deserto/ Onde a terra esposa a luz/ Onde voa em campo aberto/ A tribo de homens nus/ São os guerreiros ousados/ Que com os tigres mosqueados/ Combatem na solidão/ Homens simples, fortes, bravos/ Hoje míseros escravos/ Sem ar, sem luz, sem razão/ Lá nas areias infindas das palmeiras no país/ Nasceram crianças lindas/ Viveram moças gentis/ Passam um dia a caravana/ Quando a virgem na cabana/ Cisma da noite nos véus/ Adeus oxossa do monte/ Adeus palmeira da fonte/ Adeus amores/ Adeus/ Senhor Deus dos desgraçados/ Dizei-me vós Senhor Deus/ Se é loucura, se é verdade tanto horror/ Perante os céus/ Óh mar porque não apagas de tuas vagas/ De teu manto este borrão/ Astros, noites, tempestade/ Rolai das imensidades/ Varrei os mares tufão/ Existe um povo/ Que a bandeira empresta/ Para cobrir tanta infâmia e covardia/ Que deixa transformar-se nesta festa/ Em manto impuro de bacante fria/ Meu Deus, meu Deus/ Mas que bandeira é essa/ Que impudente na gávea tripudia/ Auriverde pendão da minha terra/ Que a brisa do Brasil beija e balança/ Antes te houvessem roto na batalha/ Que servires a um povo de mortalha/ Mas a infâmia é demais/ Da etérea plaga/ Levantai-vos, heróis do novo mundo/ Andrada arranca este pendão dos ares/ Colombo fecha a porta de teus mares!”

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Ó mar porque não apagas de tuas vagas/ De teu manto este borrão/ Astros, noites, tempestades/ Rolai das imensidades/ Varrei os mares tufão.

Quanta força só nesse verso...

Fico pensando se existiriam dias feriados suficientes para tomarmos consciência de todas as perseguições e genocídios cometidos pelo bicho homem.

Abrs.

7:36 PM  

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