20051104

"No caminho com Maiakóvski"

Recentemente me enfiaram güela abaixo uma indegustável criatura (confesso que foi um sapo!). Meu sistema digestório - coitadinho! - entrou logo em ação. Por conta própria também tomei uma dose dupla do magistral poema “No caminho, com Maiakóvski”, do mestre Dudu (Eduardo Alves da Costa).
Ei-lo: “Assim como a criança humildemente afaga a imagem do herói, assim me aproximo de ti, Maiakóvski. Não me importa o que me possa acontecer por andar ombro a ombro com um poeta soviético. Lendo teus versos, aprendi a ter coragem. Tu sabes, conheces melhor do que eu a velha história. Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada. Nos dias que correm a ninguém é dado repousar a cabeça alheia ao terror. Os humildes baixam a cerviz; e nós, que não temos pacto algum com os senhores do mundo, por temor nos calamos. No silêncio de meu quarto a ousadia me afogueia as faces e eu fantasio um levante; mas amanhã, diante do juiz, talvez meus lábios calem a verdade como um foco de germes capaz de me destruir. Olho ao redor e o que vejo e acabo por repetir são mentiras. Mal sabe a criança dizer mãe e a propaganda lhe destrói a consciência. A mim, quase me arrastam pela gola do paletó à porta do templo e me pedem que aguarde até que a Democracia se digne a aparecer no balcão. Mas eu sei, porque não estou amedrontado a ponto de cegar, que ela tem uma espada a lhe espetar as costelas e o riso que nos mostra é uma tênue cortina lançada sobre os arsenais. Vamos ao campo e não os vemos ao nosso lado, no plantio. Mas ao tempo da colheita lá estão e acabam por nos roubar até o último grão de trigo. Dizem-nos que de nós emana o poder mas sempre o temos contra nós. Dizem-nos que é preciso defender nosso lares mas se nos rebelamos contra a opressão é sobre nós que marcham os soldados. E por temor eu me calo, por temor aceito a condição de falso democrata e rotulo meus gestos com a palavra liberdade, procurando, num sorriso, esconder minha dor diante de meus superiores. Mas, dentro de mim, com a potência de um milhão de vozes, o coração grita - MENTIRA!”
Se sempre cito os poetas é porque acho que eles são as pessoas mais capazes de observar, ver com clareza e expressar as coisas da vida, eles não são como os burocratas, os poetas estão sempre olhando para a vida e, para os nossos males, descobrindo o antídoto...


3 Comments:

Blogger Micha Descontrolada said...

amei. vc escreve maravilhosamente bem, já te falaram isso?
provavelmente, né?

beijosssssssssss

9:46 AM  
Anonymous Anonymous said...

Álvaro

Obrigada por tua maravilhosa presença no meu blog. Um encanto só, o trecho q me deixaste lá.

Sobre teu post,acho q todos temos a capacidade de sermos poetas e olharmos pra vida descobrindo o antídoto para nossos males.Só q uns desenvolvem essa habilidade mais q os outros ou são o q são.Embora a grande maioria prefira ser o burocrata mesmo,por opção,comodismo ou pq nunca vislumbraram outro caminho.

Bem,acho q falei demais...rs
já vou, um ótimo final de semana pra vc.

9:55 AM  
Blogger Navegando com o Álvaro Míchkim said...

Obrigado meninas. São os ossos do ofíco ... ri-ri-ri...
B&A

10:39 AM  

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